domingo, 28 de março de 2010

A cruz de Cristo e a espiritualidade cristã


Tenho, nos últimos anos, refletido sobre a espiritualidade cristã. [...] E para manter o foco numa espiritualidade cristã e bíblica, é preciso reconhecer a centralidade da cruz. A cruz de Cristo foi única no sentido de que representou uma escolha, um caminho que Jesus decidiu trilhar: o caminho da obediência ao Pai. [...]

Podemos considerar que a cruz de Cristo começa a ser carregada no episódio da tentação. Ali, o diabo propõe um caminho para Jesus ser o Messias. Um caminho que representou uma forma tentadora de ser o Messias. Transformar pedras em pães, saltar do alto do templo e ser amparado por anjos, e receber a autoridade política e financeira sobre os reinos e as nações. Se Jesus aceitasse a oferta do diabo, rapidamente teria uma multidão de admiradores, de gente faminta encontrando pão nas ruas e estradas, encantada com seu poder sobre os anjos e os seres celestiais e com seu governo mundial estabelecendo as novas regras políticas e econômicas. Seria o caminho mais rápido para implantar seu reino entre os homens.

Porém, o caminho de Deus não era este. O reino que ele oferece precisa nascer primeiro dentro de cada um. As mudanças não acontecem de cima para baixo nem de fora para dentro. É um reino que vem como uma pequena semente e leva tempo para crescer. Não é imposto, é aceito. Não se estabelece pela força do poder, mas pelo coração e mente transformados. O rei deste reino não permanece assentado no seu trono, mas desce e se torna um servo.

A cruz de Jesus não significou apenas o sofrimento final do seu ministério público. Ela representou uma escolha que o acompanhou por toda a sua vida e que culminou em seu sofrimento e morte. Quando Jesus nos chama para segui-lo, ele afirma que, se não tomarmos nossa cruz, não será possível ser seu discípulo. A razão para isto é clara. Se o caminho dele é o caminho do servo obediente, o nosso não pode ser diferente. Por isto, precisamos tomar nossa cruz, e ela deve representar também nossa escolha, que é a mesma que ele fez - uma escolha pela renúncia e pela obediência ao Pai. [...] No caminho do mundo ser o maior e o melhor é o mais importante. No caminho de Jesus o melhor é ser o menor e o servo de todos.

Podemos achar que o caminho de Cristo é muito difícil, que amar os inimigos, orar pelos caluniadores, ser manso num mundo competitivo, humilde numa sociedade ambiciosa, não é só difícil, mas impossível. Concordo, por isto o chamado é para tomar a cruz. A cruz significa renúncia, sofrimento e morte.

As opções estão diante de nós diariamente. Todos os dias somos levados ao monte da tentação. Todos os dias o diabo nos oferece suas ofertas e seu caminho, e Deus, pela sua palavra, nos revela seu caminho. Todos os dias temos de fazer nossas escolhas. Tomar nossa cruz é aceitar o caminho de Cristo, e neste caminho experimentamos uma espiritualidade verdadeira.


Pr. Ricardo Barbosa

quarta-feira, 24 de março de 2010

A morte como estilo de vida


Um irmão aproximou-se do ancião e lhe perguntou: "Pai, dize-me uma palavra! Como posso alcançar a salvação?” O ancião lhe deu esta instrução: “Vai ao túmulo e insulta os mortos”. O irmão foi, pois, insultou-os e jogou-lhe pedras. Então voltou e o contou ao ancião o que havia feito. Este perguntou: “Eles não te disseram nada?” Ele respondeu: “Não!” Então o ancião lhe disse: “Vai lá mais uma vez amanhã e os elogia!” O irmão foi e os elogiou, dizendo: “Apóstolos, santos, justos!” E veio até o ancião e lhe contou: “Eu os elogiei!” E ele perguntou: “Eles não responderam nada?” O irmão respondeu: “Não!” Então o ancião o instruiu: “Tu sabes o quanto os insultaste e eles não te responderam – e quanto os elogiaste e eles nada disseram. Assim, deves ser tu, também, se quiseres alcançar a salvação. Torna-te um cadáver, despreza tanto a injustiça como o louvar dos homens, da mesma maneira como os mortos e hás de ser salvo!

Todo aquele que segue a Cristo deve se tornar independente do reconhecimento dos homens. Nem louvor nem injúria devem significar coisa alguma para ele, mas unicamente Deus. Mas como em cada pessoa existe o instinto de buscar o reconhecimento dos homens, a liberdade dos elogiou e das injúrias é descrita com a imagem da morte.

Nesse silêncio, o seguidor se torna morto para o mundo. O mundo deixa de ser importante para ele. Ele não deixa de ter sentimentos como um morto, mas deixa o mundo de uma maneira tão radical que se torna morto para ele a fim de viver unicamente para Deus. Quando chegar a essa morte interior, ele consegue viver no mundo sem ser dominado por ele. Vive no mundo, mas não é do mundo. Sua razão de viver é Deus.

Devemos, pois, morrer interiormente, a fim de deixarmos espaço em nós para a verdadeira vida. Se imaginarmos que dentro de três dias estaremos enterrados, o que haveríamos de deixar para trás? Tudo quando em nós é morto, todo peso que não tem sentido, todas as posses que carregamos conosco, as opiniões as quais nos apegamos, os papéis que desempenhamos e as máscaras que usamos; tudo isso nos seria tirado. E, então, poderíamos levantar-nos do túmulo como homens novos.

As normas para uma vida autêntica, portanto, são manifestadas a nós no túmulo. Não se trata de fugir à luta que a vida exige de nós, mas sim de alcançarmos a verdadeira vida, para experimentarmos a ressurreição de Cristo em meio às tarefas do dia a dia.

Extraído do livro “As Exigências do Silêncio” (Anselm Grün).

sexta-feira, 5 de março de 2010

Nosso destino - Ed Rene Kivitz


Uma das coisas mais estúpidas que já acreditei em termos de religião foi que a composição da população do céu podia ser mensurada pelo número de pessoas que dissessem sim a um apelo de conversão a Jesus Cristo feito nas bases da tradição do cristianismo protestante evangélico anglo-americano. Traduzindo: se você acredita que irão para o céu somente as pessoas que aceitam a Jesus como salvador depois de ouvir o evangelho pregado a partir da cultura anglo-americana, então você está em apuros: o seu céu é pequeno demais; o seu Deus é pequeno demais; o seu Cristo é pequeno demais; o seu evangelho é pequeno demais; o seu Espírito Santo é pequeno demais; o seu universo de comunhão é pequeno demais; seu projeto existencial é pequeno demais; sua peregrinação espiritual é pequena demais.


É urgente que se articule uma outra maneira de convocar pessoas para que se coloquem a caminho do céu. Uma convocação que considere que “nem todo o que me diz Senhor, Senhor, entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade do meu Pai que está nos céus” – palavras de Jesus. Uma convocação que re-signifique o conceito de céu, que deve deixar de ser um lugar geográfico em outro mundo para onde se vai após a morte, para significar uma dimensão de relacionamento com o Deus Eterno para a experiência contínua do processo de humanização: estar em Cristo, ser como Cristo, ser Cristo. Com isso quero dizer que o convite para aceitar Jesus como salvador como credencial para ir para o céu não é a melhor convocação. A melhor convocação é um chamado para se tornar uma outra pessoa. A peregrinação espiritual cristã não é uma migração de um lugar para outro, mas de um estado de ser para outro. Nosso destino não é o céu. Nosso destino é Cristo. E tenho certeza de que muita gente vai chegar lá mesmo sem nunca ter ouvido o plano de salvação desenvolvido pelos teólogos sistemáticos anglo-americanos.