terça-feira, 9 de novembro de 2010

ESTABELECER LIMITES, RESPEITAR LIMITES


A vida de relacionamentos leva a nos depararmos, freqüentemente, com a temática do limite. Muitos dos que buscam aconselhamento sofrem com o fato de, simplesmente, não saberem impor limites. Não sabem dizer não e estão sob a pressão interna de realizar todos os desejos dos outros. Acreditam que precisam corresponder a todas as expectativas e receiam dizer não, pois temem pelo abalo do seu sentimento de pertencimento ao grupo ou porque imaginam que esta atitude geraria uma rejeição. Outros comem demasiadamente porque não percebem o próprio limite. E sofrem com a sua própria incapacidade.

Em outros casos, percebemos uma incapacidade de delimitar o seu espaço diante daqueles que o rodeiam. Os limites se desfazem. Esse tipo de pessoa torna-se permeável ao que os outros sentem, sem que tal fato constitua um dado positivo. Na verdade, os seus próprios sentimentos se misturam constantemente com os dos outros. Fica exposto aos humores do ambiente que o circunda e se deixa determinar por eles. Por vezes, tem a impressão de estar se dissolvendo e vive, nesse sentido, absolutamente desprotegido. [...]

Como, então, a vida humana de uma pessoa, que afinal é sempre uma vida fundada em relacionamentos, poderia ter êxito? Sem a capacidade de delimitar o seu espaço, torna-se impossível se perceber a si mesmo enquanto pessoa, nem se desenvolver nesse sentido. Um simples olhar para o significado da palavra já sugere tal coisa: originalmente “pessoa” significa “máscara”. Através da máscara, ou seja, daquilo que penso de mim mesmo, posso estabelecer contato com o outro. A palavra latina personare significa “combinar através de”. Por intermédio da minha voz, do ato de falar, alcanço a outra pessoa, e, dessa forma, acontece o encontro, que para ter êxito exige bom equilíbrio entre limite e transgressão, proteção e abertura, demarcação do próprio espaço e entrega. Preciso conhecer o meu limite para poder transgredi-lo repetidamente no sentido de aproximar-me do outro, encontrá-lo, tocá-lo através do encontro, experimentar possivelmente um instante de me tornar uno.

Visto dessa maneira, o encontro ocorre sempre no limite. Preciso ir até o meu limite, ao ponto máximo para mim possível, para alcançar o outro. Quando o encontro tem êxito, os limites não são mais rígidos, nem separam; tornam-se fluidos. Ocorre, assim, no limite e para além do limite o evento de se tornar uno. Mas esse encontro não é estático, mas algo que sempre se realiza de forma viva e após o qual cada um retorna ao seu próprio contexto, enriquecido pela experiência no limite.

Para o escritor francês R. Rolland, a relação adequada com os limites chega a ser a chave decisiva para a felicidade. Diz ele: “Felicidade significa conhecer os seus limites ― e amá-los”. Na sua visão, não importa, portanto, apenas a arte de impor limites ou de conhecê-los. É preciso também amá-los. O que seria o mesmo que dizer que devemos concordar com as nossas limitações e ser gratos pelo limites que experimentamos em nós e nos outros. A chave da felicidade encontra-se na possibilidade de amar as próprias limitação e também amar as pessoas com os seus limites. Tal tarefa nem sempre é simples, já que desenvolvemos imagens de ausência de limites a respeito de nós mesmos. Para Rolland, no entanto, quem se reconcilia com os próprios limites e lida de forma amorosa com os mesmos terá sucesso na vida e experimentará felicidade.[...]

Anselm Grün

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