quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Preciso de outro pecador !

Fui a uma "igreja" singular recentemente que consegue atrair milhões de membros devotos todas as semanas, sem ter sede denominacional e nem funcionários contratados. O nome é Alcoólicos Anônimos. Fui a convite de um amigo, que me confessara, pouco tempo antes, seu problema com a bebida. Ele me disse: ― Venha comigo, e verá uma amostra de como deve ter sido a igreja primitiva.

À meia–noite de uma segunda–feira, entrei em uma casa caindo aos pedaços, que já abrigara seis sessões naquele dia. Nuvens de fumaça de cigarro pairavam no ar como gás lacrimogêneo. Não passou muito tempo antes que eu percebesse o que meu amigo queria dizer com sua alusão à igreja primitiva. Um político muito conhecido e vários milionários proeminentes se misturavam com desempregados desanimados e garotos que colocavam band–aids nos braços para esconder as marcas das agulhas. O "momento de compartilhar" foi semelhante às descrições de grupos de terapia ideais que encontramos nos livros de cursos de psicologia. As pessoas ouviam em compaixão, respondiam com ardor e abraçavam–se ao final. As apresentações eram mais ou menos assim:

― Oi, sou o João, e sou dependente de álcool e drogas. Imediatamente todos gritavam em uníssono, como um coral do teatro grego: ― Oi, João! Cada participante da reunião, então, deu o relatório de seu progresso pessoal na batalha contra a dependência.

Cartazes com frases simpáticas ("Um dia de cada vez!", "Você consegue!") enfeitavam as paredes desbotadas da sala. Meu amigo acredita que esses arcaísmos revelam outra semelhança com a igreja primitiva. A maior parte da sabedoria do AA é passada de uma pessoa para a outra pela tradição oral, que vem desde a fundação da entidade, há mais de cinqüenta anos. Ninguém usa muito as publicações atualizadas do AA e nem seus artigos de relações públicas. Em vez disso, confiam principalmente em um velho livro embolorado com o título prosaico: O Grande Livro Azul dos Alcoólicos Anônimos, que conta a história dos primeiros membros, em um estilo pomposo, parecido com o da Bíblia.

O AA não possui qualquer propriedade, não tem uma sede com luxos como mala direta e centro de mídia, não há uma equipe de consultores bem pagos e nem conselheiros de investimentos a cruzar o país de avião. Os fundadores do movimento estabeleceram garantias que acabariam com qualquer iniciativa para implantar a burocracia. Acreditavam em que o programa só teria sucesso se permanecesse no nível mais básico e íntimo: um alcoólico dedicando sua vida a ajudar outro. Mesmo assim, o AA mostrou–se tão eficaz que mais 250 organizações, de Chocólatras Anônimos a grupos de pacientes de câncer, surgiram como uma imitação consciente de sua técnica.

Os muitos paralelos com a Igreja primitiva não são meras coincidências históricas. Os fundadores cristãos insistiram em que a dependência de Deus deveria ser uma parte obrigatória do programa. Na noite em que participei da reunião, todos na sala repetiram em voz alta os doze princípios, onde reconhecem total dependência de Deus para perdão e força. [...]

A igreja da meia-noite do meu amigo me ensinou a necessidade de humildade, honestidade total e dependência radical: dependência de Deus e de uma comunidade de amigos compassivos. Ao pensar nisso, pareceu-me que essas qualidades eram exatamente as que Jesus tinha em mente quando fundou sua igreja.

De acordo com o historiador Ernest Kurtz, os Alcoólicos Anônimos surgiram de uma descoberta feita por Bill Wilson em seu primeiro encontro com o Doutor Bob Smith. Por conta própria, Bill tinha conseguido manter-se sóbrio por seis meses, até que viajou para outra cidade e não conseguiu fechar um negócio. Deprimido, andando pelo saguão de um hotel, ouviu os sons conhecidos de risadas e gelo tilintando nos copos. Dirigiu-se ao bar, pensando "Preciso de um trago". De repente, veio-lhe um novo pensamento que o fez parar: "Não, não preciso de um trago; preciso de outro alcoólatra!" Foi até os telefones do saguão e começou a sequência de telefonemas que o colocaram em contato com o Dr. Smith, que viria a ser o co-fundador do Alcoólicos Anônimos.

A igreja é o lugar onde posso dizer, sem vergonha alguma: "Não preciso pecar. Preciso de outro pecador. Quem sabe, juntos, possamos nos ajudar a prestar contas um ao outro e nos manter no caminho certo"!
Adaptado de Philip Yancey

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